19.8.04


PERDAS TOTAIS

A Lei Sócrates, cheia de boas intenções, tem produzido resultados desastrosos e acrescentou mais confusão ao já complexo domínio da resolução de sinistros dos quais resultem perdas totais.
O Decreto-Lei assim baptizado em honra do seu mentor estipula a desvalorização anual obrigatória para as viaturas cobertas por um seguro com Danos Próprios (“contra todos”), baseando-se essa desvalorização numa tabela europeia (Eurotax) que não tem em conta a marca, o modelo, ou a versão dos veículos, mas apenas o respectivo preço em novo.
Claro está que essa regra colide com as leis naturais da oferta e da procura que determinam a cotação real de cada automóvel. Geram-se assim situações de absoluto insólito, como a que exemplificamos a seguir.

Imagine um veículo seguro “contra todos” e abrangido pela dita Lei Sócrates. É previsível, com maior incidência nos modelos menos vendáveis, um desfasamento entre o valor real (nos stands, nas revistas da especialidade e mesmo entre particulares) e o valor estipulado na apólice (sendo este mais elevado).
Ou seja, um dado veículo pode valer €2.500 no mercado e estar seguro por €3.500...
A primeira regra violada por inerência é a que prevê que ninguém pode lucrar à custa de uma apólice de seguro. Isto porque em caso de perda total por roubo, por exemplo, o segurado tem direito a receber uma indemnização superior ao custo real de uma viatura igual à sua.
Contudo, a aplicação prática desta lei pode gerar situações ainda mais estapafúrdias. Em caso de choque ou de colisão com culpa, o segurado tem o direito de receber o montante expresso na sua apólice em caso de perda total. Mas se não tiver culpa, a companhia do terceiro indemnizará com base no valor REAL do bem danificado. Agora imagine que a companhia do terceiro é a mesma do lesado...
Neste caso, o lesado possui um contrato que lhe refere um valor de “x” e recebe da mesma seguradora (a sua) uma proposta de indemnização de “y”, bastante inferior. E aqui temos um caso óbvio de dois pesos e duas medidas, substancialmente agravado nas consequências pelo facto de incitar à fraude, mais o paradoxo de existirem duas cotações “oficiais” para o mesmo objecto.
Como se explica ao lesado uma discrepância assim, no momento das grandes decisões?

Não tem explicação, exceptuando a moda dos absurdos que vigora no pensamento dos legisladores. É mais uma fonte de conflitos entre os consumidores e a actividade seguradora e nem a DECO, tão lesta a criticar as companhias e a recomendar seguros em função do preço, se insurgiu com firmeza contra um disparate tão flagrante. Ao que sabemos, nem a APROSE (a maior associação de mediadores) se tem pronunciado formalmente acerca das consequências desta bizarria no quotidiano dos seus representados.
E qual será a posição do Instituto de Seguros de Portugal nesta matéria? Boa pergunta.



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